quarta-feira, 22 de outubro de 2008

Ana e Malu, muito prazer!


Ainda com o cabelo molhado apertou a tecla número 4 e ligou para um de seus "preferidos". Malu só ficava atrás da casa da mãe(1) de Ana, da farmácia 24 horas(2) e da delicatessen preferida e ininterruptamente aberta também (era quase o supro-sumo da perfeição a bendita loja; tinha curativos para sapatos nada piedosos, vinhos apropriados para situações de emergência e chocolates com incrível poder terapêutico além de outros pecados gastronômicos)(3).


A "hierarquia" do telefone de Ana quase lhe deprimiu, mas a amiga lhe explicou com praticidade cada salto das teclas. Mãe é mãe e não se comenta mais nada. A farmácia era pra pedir o Engov, a delicatessen para pedir o que sempre inventa de faltar na casa de Ana e então, com tudo pronto, Malu tinha lugar para atender; chegar; tomar o Engov e deliciar-se com vinhos de bouquets memoráveis, mordiscar algo e ainda escutar as aventuras da amiga.


Era quinta-feira e Malu olhava para uma das paredes da sala.
- Oi!
-Malu, eu não tenho jeito!
-Ana, Ana... que danado tu aprontaste agora?
-Calma, morena. Até parece que você não me conhece,né?!
-Hum, sei... fala!
-Então, eu finalmente comecei de vez a academia.
-Mas você não tinha ido já na segunda?
- Bah, fui, fiz a matrícula e até fiz uma aulinha lá, mas não contou muito, sabe. Hoje fiz tudo direitinho e me diverti horrores.
-Legal, Nana. Agora fala o que foi que te divertiu tanto assim, que você sabe que não me engana.
Malu estava acostumada com as idas e vindas de Ana em quase todas as academias da cidade e decididamente algo deveria ter acontecido para amiga estar tão eufórica num lugar tão inóspito. A morena relutava constantemente contra os convites, cortesias e afins de academias. Ana rebatia dizendo que a amiga só fazia isso por desdém, já que era dona de um corpo bastante invejável e cultivado sem nenhum esforço( quer dizer, quase; afinal Pilates avançado não é para qualquer um).
-Ri de mim mesma e teorizei sobre a vida.
-Profundo! - deixou escapar com tom irônico.
-Malu! Aloha?! Sou eu, sai pra lá com esse azedume. Admita, você está mexendo em algo do Eduardo?
-Desculpa. É... ficou uma caixa aqui com algo dele no meio das minhas e eu acabei de me dar conta. Mas fale logo sobre suas descobertas e teorias.
-Ai, ai, ai... Então, hoje eu me empolguei e fiz duas aulas. Já até liguei para a farmácia pedindo um analgésico. Não quero nem imaginar como acordarei amanhã, mas... A primeira foi quase chata, era daquelas de ginástica localizada e como cheguei atrasada, tive que ir para frente da sala. Aff, foi quase como ser colocada no canto da sala na época da escola. Eu diria que foi pior! Senti-me humilhada: completamente flácida e ainda na frente?! Ai de mim!
Malu não estranhava mais o modo de falar sem freios de Ana e já não gastava tempo pedindo-lhe para manerar no ritmo. O drama então... era algo tão típico que se desaparecesse seria como ausência de sal na comida.
-Depois fiz aula de boxe. Deus meu! Espero nunca precisar entrar numa briga de verdade. Sou péssima e, definitivamente, coordenação motora e agilidade são coisas que não vieram no meu pacote genético.
- Nana...
Ana não deixou Malu terminar a frase.
- Eu já estava quase morta, mas ainda tinha a danada da musculação. Como cheguei mais tarde do que o habitual, outro instrutor me acompanhou. Outra mudança também foi que eu era única mulher em todos os aparelhos. Adooooro esses momentos. Experimento a glória e a decadência ao mesmo tempo. Sei lá... Sinto-me tão dona do pedaço e tão desinteressante pelo status baranga.
-Ana, você sabe que logo estará com tudo no lugar da maneira que tanto deseja, além do mais, de baranga você não tem nada.
-Malu, você fala isso porque é minha amiga. Então, estava eu lá no meio da série passada para o dia, quando me dei conta de quão eróticos são alguns aparelhos... Sei lá, deve ter sido tanta testosterona que acabou ajudando a levantar a libido. Mas eu juuuuuro que foi algo quase que por instinto, nem tava racionalizando muito... No meio desse meu desequilíbrio hormonal e mental vi que tinha um carinha suuuuuper interessante. Sabe, aquele cara que você sabe que jamais olhará para você, que sabe que é gostoso, finge que não sabe que você está olhando e ainda se atreve a olhar só para se divertir com nosso desespero inconsciente? Era um exemplar desses que tinha lá hoje. Pior, nossas séries sempre coincidiam e acabávamos em aparelhos próximos ou então de frente mesmo. Detalhe é a sensação de culpa sem nada ter feito. Quando eu fugia sempre acontecia algo e nossos olhares se encontravam. Numa dessas cruzadas indesejavelmente desejáveis desviei e dei de cara com um tal lá que me olhava descaradamente. Ele ficou quase sem graça. Saco que é o típico cara que sempre acaba aparecendo na minha vida... Acho isso tão monótono, mas admito que gostei de ser olhada, da troca de olhares fortuitos com o carinha que se achava e me diverti pensando se o que estava acontecendo comigo também não estaria acontecendo com o carinha conquistável na flexora. Ri, por dentro e por fora. Eu já nem me lembrava mais como essa coisa de olhares funcionava. Muito estranho. Ainda bem que o instrutor também era legal. Por falar nele, acho que tenho chances...
- Nana...
Malu fora novamente atropelada.
-Calma, antes que você me acuse não estou desesperada. Apenas ando apreciando o cardápio exposto em vestuário convidativo.
As duas então degustaram uma gargalhada sincronizada.
-Mas não se preocupe, não vou investir no instrutor não.
-Ana, só você para me fazer rir no meio dessa confusão.
-Ainda sem saber como arrumasr tudo?
Malu havia acabado de divorciar-se. Em decisão mútua a antiga morada fora vendida e foi feita a divisão do pagamento e dos bens.
-Sim, vivo entre caixas atualmente.
-Já vou! - gritou Ana.
-Quando você vai aprender que interfone no gancho não transmite som algum?
-No dia em que eu aprender a descomplicar e conseguir ver as coisas simples como meu nome. Hehe. Linda, tenho que ir. Meu jantar equilibrado caloricamente deve ter chegado. Vamos fazer assim: amanhã eu passo na sua casa para conversar mais e aproveito para te ajudar com a arrumação; além propor alguns toques na decoração.
-Perfeito. Mas você vai querer esse programa de índio em plena sexta?
-Ai, bobinha. Você sabe que não precisa de charminho. Até porque, o rótulo de dramática a mim cabe. Só me faça um favor, não toque mais em caixa alguma, principalmente nessa que tem sei lá o quê do Eduardo.
-Tentarei.
-Até amanhã.
-Tchau, Nana.
Romina Cácia

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