sábado, 15 de agosto de 2009

Panorâmica

Não sei porque insisto em te colorir se te vejo em preto e branco. |Sou tão monótona e limitada assim?| Ao contrário, você tem tantas tonalidades que me sobra indecisão sobre qual cor escolher para tentar te pintar. |Agora você me deixou confusa.| Você que tem o dom natural de me confundir. Teu sim nunca extermina a possibilidade de um não, além de flertar com um talvez. Eu me perco na imensidão da infinidade de opções entre teus vazios. |Infinidade? Eu não sou um retrato preto e branco? Você que começa a me confundir agora.|

Ela tira a sandália, sai arrastando a barra do vestido e senta. Ele serve-se de mais uma dose. Observam-se sem cruzar olhares. Ela acaricia algumas teclas como se tivesse a intenção de tocar algo. Ele suspira e se aproxima. Larga o copo em cima da mancha que virou seu porta-copos personalizado e toca uma música que inquieta. Mal pressiona a última tecla e recomeça.

Você é preto e branco, pois nem quando deseja consegue ser óbvia, direta. |Você não se gabava por apreciar o que fugia do comum?|

Ela sabia exatamente o poder de suas provocações . Ele também conhecia e por isso sorriu com o canto da boca. Pronunciou algo num idioma que ela nunca aprendeu a reproduzir, mas que sempre teve o poder de afagar sua alma e seu ego. Então tentou-lhe explicar.

Você é preto e branco porque aparentemente não guarda muito mistério. Porém essa primeira impressão se esvai quando se tenta ultrapassar a superficialidade do contato. Mesmo assim ainda é difícil te “revelar”. O que de longe parecia apenas preto e branco vai se transformando em infinitos tons de cinza com a intimidade. A incerteza que você me provoca é teu jogo entre luzes e sombras. Você é de uma riqueza de tonalidades que eu não me julgo capaz de tentar decifrar apenas com nanquim. Por isso acabo tolamente tentando te caricaturar através da minha aquarela, mesmo sabendo que é ingenuidade minha acreditar que seria possível reproduzir no papel as intensas sutilezas tão próprias de tua dança entre a presença ou ausência de luz.

Ela sorriu e tentando não se envaidecer o convidou para compor consigo o próximo ato.

|Você me daria o prazer de mais uma dança?|



Romina Cácia

P.S. Ilustração roubada do blog da Luyse.