sexta-feira, 26 de dezembro de 2008

Ponto final da dor com laço de fita vermelha

O Gitti fez o convite e eu não resisti ao seu sorriso. Depois acabei percebendo que o que havia escrito fugia da temática. Com vocês, o gosto agridoce de um natal memorável.

...

Esperou ansiosamente por aquele instante. Foram meses sem contato algum, sem a possibilidade de transformar dolorosas reticências em um ponto final. A distância antes era a desculpa, a proximidade agora funcionava como aquela força dos ímãs que repele quando são iguais. Sim, iguais eles ansiavam pelo encontro, mas com forças contrárias. Talvez tenha sido isso que tornou o antigo pedido em algo possível.

Durante quase dois anos beberam da saliva e do desejo um do outro, respiraram carinhos, gozaram da cumplicidade e traçaram entrelinhas sobre planos futuros.

Tudo seguia na inconstante monotonia de altos e baixos até que ela pediu para que ele descesse na próxima estação. Alegou precisar de mais espaço, que necessitava escutar outras histórias ou então um dia cansaria da deles e o culparia. Suas malas não estavam próximas, ele decidiu então ir sem elas.

Ela continuou o caminho e entre paradas mais longas enviou telegramas, recebeu mensagens em código morse, ousou telefonar, mas não admitiu que lhe telefonasse. Assim como também não permitiu que sentassem ao seu lado no trem, sempre respondia que o dono do lugar logo voltaria.

Seguiu contando a mesma desculpa e apenas deixou alguém sentar ao seu lado em dias bucólicos que lhe pediam uma garrafa de vinho. Então admitia, mas nunca completamente, a saudade que sentia do dono do lugar.

Finalmente parou e desceu na estação em que ele havia ficado. No entanto, ele não estava mais por lá. Havia conhecido alguém que lhe acolhera por completo e não pedia espaço que excluísse, clamava pelo espaço que unia.

Ela tramou feitiços, mas perdeu o encanto no fim das palavras mágicas. Tentara uma reaproximação, uma reconquista, porém ele nunca fraquejou. Depois de meses de ressaca pelo silêncio ela pediu-lhe um presente de Natal. Um último encontro, sem qualquer intenção a não ser entregar parte da bagagem dele que ela havia guardado ao longo do caminho.

Ele hesitou, contudo acabou aceitando. Talvez pelo espírito natalino, talvez porque também desejasse aquele momento.

Ela chegou 20 minutos antes do previsto ao local. Desejou um dia ter aprendido a fumar, aquele momento pedia um cigarro, mas ela não fumava. Voltou alguns metros e pediu uma garrafa de água. A verdade é que a boca seca ansiava por tequila. Voltou ao lugar e sentou-se.

Pouco depois ele chegou. Trocaram palavras como o protocolo pedia. Ela entregou-lhe sua bagagem e alguns chaveiros que comprara ao longo do percurso. Ele preparava a despedida quando ela atropelou o cerimonial e resolveu dizê-lo o trivial que tanto quis entre os goles de ressentimento e a ressaca do silêncio.

- Já tem um tempo que eu quero te dizer algo…

Ele a censurou com os olhos e com a respiração.

- Calma. Sabe, auto-censura ou auto-controle como alguns preferem chamar é realmente algo poderoso (e perigoso!). Talvez meu maior descontrole seja segui-los agora.Minha teimosia em acompanhar o compasso do tempo atrasou bastante esse momento. Você, como poucas pessoas, sabe minha natural tendência a ser racionalmente irracional e irracionalmente racional.

Ele concordou com as sobrancelhas.

- Eu cometi um erro muito grande acreditando que o mundo estaria em stand by do momento que parti até meu retorno. Tenho sérias suspeitas de que isso seja fruto de um antigo sentimento chamado auto-suficiência.Nunca escondi meu “prazer” em dizer que eu bastava para mim mesma. Tenho vergonha dessas minhas atitudes exarcebadas de arrogância, prepotência e muito egoísmo que tive e infelizmente, vez por outra acabo repetindo. Tenho tentado aprender com meus erros e impedir que certos vícios os tornem presentes no meu dia-a-dia.

Ele mexeu os lábios, mas ela continuou.

- Eu queria te pedir desculpas por ter julgado certos atos como desprovidos de “amor-próprio”. Sinto vergonha pela ignorância de confundir “pequenos” gestos de amor cotidiano com submissão, por ter censurado tua persistência em querer o melhor para nós dois. Peço desculpas pela imaturidade emocional. Por não ter percebido como eu havia machucado, por ter continuado indiferente ao que estava acontecendo conosco. Eu tinha tanto medo de me entregar que desequilibrava os sentimentos e acabava sendo mais samurai que gueixa.

Ela vomitava as palavras num fôlego único.

- Bem, o que eu queria mesmo dizer era obrigada. Obrigada por ter permitido que eu fosse intensa e sentir coisas que a maioria das pessoas não sentem ou sequer desconfiam da existência; por ter me ensinado a grandeza do real significado do verbo amar… eh… Eu até ensaiei um outro discurso mas infelizmente para retribuir ao mais belo dos presentes não existem rimas com a métrica adequada;
Prosas lineraes com a sua inconstância;
Sinfonias que traduzam os diversos tons dessa “cadência” singular;
Equações que tragam à tona a precisão de nossos altos e baixos;
Receitas que consigam misturar temperos incompatíveis em algo tão delicioso... Simplesmente não tem preço.

Ele quis dizer-lhe algo, mas não soube medir as palavras. Ela beijou-lhe a testa e saiu sem sentir a si mesma, sem saber o que tinha prometido comprar para ceia quando saiu de casa dizendo que ia ao supermercado.

Romina Cácia

p.s. Imagem roubada daqui.