|Romina Cácia|
Ilustração de Samara Medeiros
Ensaios sobre minha "maluquez" sem lacunas para a lucidez...
Entre uma de suas conexões conseguiu finalmente revê-lo. Sorria com os olhos, as mãos, a boca, os braços... Entregava-se como se aquele momento não fosse nunca ter fim. Um quarto de hora não resolvia, mas aliviava a saudade.
Sim,querida ,eu admito que é verdade... voltei a repetir antigos erros. Pra mim eles são novos, mas eu tenho consciência do preço de sempre. Sei que há uma possibilidade bem maior de me ferir agora, mas eu tenho tentado esquecer minha autodefesa. Estou começando a querer dar saltos sem me preocupar com a aterrissagem. Confesso que tenho buscado administrar fusos e desafiar a racionalidade. Assim sem muito trabalho uso a imaginação como lupa e sonho com hortelã, corro com café, fecho a cara com feijão, transpiro com paixão e sufoco com pavor. Tá, e daí se ele não quiser ser meu menino?! O sorriso anda mais fácil. Resolvi cometer a mais gostosa das travessuras. “Rendi-me a mim mesma”.
|Romina Cácia|
Ela não era santa, não vai ser a saudade que vai me fazer esquecer ou ficar cega. Tinha o dom para me tirar do sério, me irritar e a querer bem longe, mas nunca quis que fosse tão distante assim. Nossos encontros eram datas marcadas no calendário e um amor em comum nos unia. Não sei se sofro por mim, por ela ou por esse amor que eu tenho certeza que agora chora. Tenho uma sensação estranha. Não posso dizer que foi bem feito, que ela mereceu... muito menos que não era previsível.
Lembro dos seus extremos, da naturalidade para o “insano”, da delicadeza em momentos inesperados que nenhum de nós ousou algum dia pensar que passasse por ela. Queria um “além” que não se entendia.
Vi magrela, vi mulher, vi moleca, vi apaixonada e jamais a verei em minha idade de agora, assim como não será possível que a veja passar pelo que agora passo.
Éramos um oposto quase igual, talvez fôssemos iguais e apenas tivéssemos disfarces e fantasias difrentes. Eu sinceramente não sei. Eu sei que eu gostaria que não fosse verdade. Que as manchetes e os boatos fossem mentiras ou mais um dos produtos da minha imaginação. Eu lembro do nosso amor e sofro. Nosso único elo agora tão distante... Não é justo sofrer, fazê-la ficar assim. Dói.
Não sei porque insisto em te colorir se te vejo em preto e branco. |Sou tão monótona e limitada assim?| Ao contrário, você tem tantas tonalidades que me sobra indecisão sobre qual cor escolher para tentar te pintar. |Agora você me deixou confusa.| Você que tem o dom natural de me confundir. Teu sim nunca extermina a possibilidade de um não, além de flertar com um talvez. Eu me perco na imensidão da infinidade de opções entre teus vazios. |Infinidade? Eu não sou um retrato preto e branco? Você que começa a me confundir agora.|
Ela tira a sandália, sai arrastando a barra do vestido e senta. Ele serve-se de mais uma dose. Observam-se sem cruzar olhares. Ela acaricia algumas teclas como se tivesse a intenção de tocar algo. Ele suspira e se aproxima. Larga o copo em cima da mancha que virou seu porta-copos personalizado e toca uma música que inquieta. Mal pressiona a última tecla e recomeça.
Você é preto e branco, pois nem quando deseja consegue ser óbvia, direta. |Você não se gabava por apreciar o que fugia do comum?|
Ela sabia exatamente o poder de suas provocações . Ele também conhecia e por isso sorriu com o canto da boca. Pronunciou algo num idioma que ela nunca aprendeu a reproduzir, mas que sempre teve o poder de afagar sua alma e seu ego. Então tentou-lhe explicar.
Você é preto e branco porque aparentemente não guarda muito mistério. Porém essa primeira impressão se esvai quando se tenta ultrapassar a superficialidade do contato. Mesmo assim ainda é difícil te “revelar”. O que de longe parecia apenas preto e branco vai se transformando em infinitos tons de cinza com a intimidade. A incerteza que você me provoca é teu jogo entre luzes e sombras. Você é de uma riqueza de tonalidades que eu não me julgo capaz de tentar decifrar apenas com nanquim. Por isso acabo tolamente tentando te caricaturar através da minha aquarela, mesmo sabendo que é ingenuidade minha acreditar que seria possível reproduzir no papel as intensas sutilezas tão próprias de tua dança entre a presença ou ausência de luz.
Ela sorriu e tentando não se envaidecer o convidou para compor consigo o próximo ato.
|Você me daria o prazer de mais uma dança?|
Hoje eu acordei tão feliz que até o que mais me irrita fez com que eu sorrisse
Cantei do início ao fim a música que não suporto nem a introdução
A água da chuva fez com que a sandália afrouxasse justamente onde mais aperta
As poças d’água apenas impulsionavam os saltos proporcionados pela leveza do bem-estar
As pedras entre cada uma delas ajudavam a improvisar uma coreografia que me lembravam quão desengonçada eu sou; e por isso gargalhei
Sim, é claro que eu não estava sozinha
Eu tinha a mim
Eu encontrando diversão durante minhas 14h de espera entre um voo e outro.
Dá pra ver meus cabelos ao "vento" ? hehe
Romina Cácia
Quatro paredes já não eram suficientes. A dor tinha se expandido, muito. Precisava sair, mas para onde? O sufocamento provacava uma sensação de dormência, queria sair, queria ser percebida, amada, saber para qual lugar ir. Já não tinha planos ou conseguia pensar nos antigos sonhos. Sabia que podia e devia ir além, apenas não sabia como. Precisava de ajuda, mas os gritos eram abafados. Bebeu do choro, ficou inchada como qualquer um que morre afogado, mas continuou imperceptível. Não queria ser transparente, buscava o reconhecimento e não o anonimato.
Já não aguentava dublar a própria vida, bem que poderiam ter escrito isso em sua lápide. O tempo apenas catalisava a dor e a angústia.
Porque os mocinhos de Liverpool adoram me ninar de vez em quando....
Romina Cácia
Imagem roubada daqui.
Guardei minha roupa suja para sentir teu cheiro.
Acabei te encontrando transpirando em meus poros e no gosto da minha boca.
O café murmurou carícias e me fez sorrir desse nosso estranho código.
Se tudo se reconstrói após uma boa noite de sono, admito estar ligada por nossos fusos anti-horários.
O clima nunca foi tão agradável como o calor de teus (a)braços.
A lembrança é o presente de cada dia, mas a lua já não está mais cheia.
Por isso...
Beije-me com seu sorriso.
Despeça-se com uma canção.
E apaga a luz, por favor.
Bom dia!
Romina Cácia
Imagem roubada daqui.
Romina Cácia