domingo, 8 de fevereiro de 2009

Autodiagnóstico


Tem gente que diz que tenho memória de elefante. Eu discordo. Defino-me como uma pessoa completamente desmemoriada. Vivo repetindo coisas que acabei de fazer e ainda perguntando se já fiz . Então rebatem com observações minhas sobre coisas que a maioria das pessoas não lembrava ou tinha percebido.

Admito que sou ótima em fotografar detalhes, mas péssima em enxergar o que está mais do que óbvio na minha cara. Sim, isso vale para tudo. Se você quiser ajuda para encontrar algo em meio a bagunça inquietante ou para lembrar algo que alguém demonstrou em espaços fragmentados entre uma emoção e outra: eu sou uma ótima companhia.

Agora se você me perguntar o que vesti na terça, qual passo vem depois na sequência recém-passada pela professora ou pedir para pegar algo que está a minha frente, lo siento, sou terrível.
Não é culpa da miopia ou desinteresse por você, é pura distração. A psicologia tem teorias interessantes sobre esse minha memória sensorial, ou seja lá como chamam. Com todo respeito aos profissionais, tomo a liberdade de me autodiagnosticar.

Tenho compulsão por fotografar fragmentos visuais entre sensações.

Verdade seja dita, às vezes me escapam alguns fotogramas, mas a sutileza de cada impressão é instantaneamente registrada a cada quadro que o olhar imprime com o químico do sistema nervoso central.

Talvez seja por isso que uma amiga tenha comentado essa semana sobre uma ligação que meus textos tem : imagem-sensação-palavra. Provavelmente seja essa a razão que faça com que alguns textos sejam tão difíceis de escrever. A imagem existe para todos. Mas eu preciso do olho mecânico das sensações para registrar cada uma delas. A escrita é minha revelação (ou impressão) sobre todo o processo de captura e requer cuidados para que os negativos sejam aproveitados de maneira adequada.

Entre suportes usados, um dos que dificilmente me abandona é a memória olfativa. Ela é quase automática e independente. Mas às vezes esse auto-controle dela me traiciona. Há fragâncias que simplesmente me trazem sensações e eu não consigo explicar o motivo. Tem um cheiro docinho que me lembra infância, não sei por qual razão, não lembro, mas lembra. Existe um perfume que me corrói toda vez que se aproxima, cheira a culpa. Um dos meus preferidos é algo parecido com cheiro de mato, mas não aquele que a gente está acostumado. Aparece vez por outra e tem um poder maravilhoso de me fazer sentir sensações gostosas que me acalmam. Também não entendo a que está ligado, mas desconfio de algo com infância.

Semana passada chegou um dos meus últimos livros que vai servir como base teórica para meu TCC. Não encontrei aqui em João Pessoa e meu pai pediu que um amigo que mora em Recife procurasse por lá. Como um gesto "transbordante" de afeto, o amigo de longas datas enviou o livro empacotado por um papel de presente vermelho. Também havia um cartão, claro que com mais uma versão para o meu nome: Rumínea Kássia. Mas com isso eu já estou acostumada.

No entanto, a memória olfativa foi aguçada. Fui correndo abrir o tal pacote prevendo o prazer de sentir o cheiro do papel do livro, mas havia algo a mais no meio do caminho. Nada foi mais forte que as lembranças que o cheiro que o papel vermelho exalava. Todas as memórias foram instigadas e não deu outra: era cheiro de novo. Não só porque era um produto novo, mas devido ao fato de papel de presente sempre estar envolvido em momentos de passagem para o novo em minha vida. Não são todos, mas alguns tem sim esse aroma que enebria.

A lembrança que eu tenho dos meus aniversários além do cheiro dos balões é a do perfume dos papéis de presente. Todo ano minha mãe também encapava meus livros com papéis de presente. É estranho, mas eu sinto no aroma desses papéis a possibilidade do novo, da mudança. Como se houvesse a chance de começar a sentir novos cheiros e a desenhar novas memórias a partir dali.

O livro é ótimo e tem ajudado, mas nada foi tão sedutor quanto o sabor do cheiro do novo.

Romina Cácia